quinta-feira, 2 de março de 2017

Contratação de funcionários: cuidado com a discriminação no processo seletivo!


Foi-se o tempo em que as fases para a contratação de um empregado compreendiam, no máximo, um anúncio em jornal com todos os detalhes ou restrições que a empresa contratante desejava (ex: idade, sexo, raça, escolaridade, etc), escolha de alguns candidatos para entrevista, aplicação de testes, escolha de dois ou três finalistas para entrevista final e definição/ contratação do melhor (nem sempre) candidato. 

Hoje em dia, estima-se que mais de 60% das contratações são originadas da indicação de alguém e cada vez mais o LinkedIn e redes sociais são utilizadas por empresas e profissionais. Outras fontes também muito utilizadas são: banco de currículos, sites de empregos, anúncios em jornais e revistas, consultorias de RH, empresas de recolocação e outplacement, escolas e universidades, cadastros de ex-empregados, entidades e associações profissionais.

Podemos afirmar que os procedimentos e técnicas mais utilizadas num processo de recrutamento tradicional podem abranger:

  • Triagem (identificação dos candidatos que atendem os requisitos mínimos);
  • Avaliação dos conhecimentos e competências através de testes de conhecimentos (gerais, idioma, informática, etc), aptidão (raciocínio lógico e atenção concentrada) e habilidade (redação / comunicação escrita);
  • Análise do perfil comportamental: Testes situacionais, de personalidade, dinâmicas de grupo, entrevista (estruturada, não estruturada, de competência, situacional, coletiva, por computador e técnica ou com o requisitante);
  • Pesquisa de referências;
  • Exame Médico; e
  • Laudos e pareceres sobre o entrevistado.
Se no passado não havia maiores preocupações além da escolha do melhor candidato, agora os recrutadores e as empresas em geral devem atentar para uma série de aspectos e cuidados que precisam ser seguidos durante o processo de recrutamento a fim de se evitar situações ou circunstâncias que podem vir a gerar ações e indenizações no âmbito trabalhista.

Por que?

Em primeiro lugar precisamos ter em mente que, embora a empresa (por assumir os riscos da atividade econômica), tenha o direito de contratar o empregado que melhor lhe convenha e de acordo com as atribuições e competências do cargo, ela pode ultrapassar os limites assegurados pela constituição federal do direito ao trabalho, à igualdade e à dignidade da pessoa e, mesmo sem nenhuma intenção, cometer algum ato discriminatório durante o processo seletivo. Outrossim, nos termos do artigo 1º da Lei 9029/95, é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito ou a manutenção da relação de emprego.

Mas que circunstâncias ou atitudes podem caracterizar um ato discriminatório no processo de seleção?

De imediato, podemos mencionar o próprio anúncio, o qual não pode fazer distinção, entre outras, de: raça, sexo, idade, nacionalidade, condição física, orientação política, religiosa, preferência sexual e filosófica.

Apesar de muitos anúncios veiculados ferirem alguns desses aspectos, continuam sendo publicados e, em minha opinião, estão sujeitos a:
  • possível instauração de processo investigatório por parte do Ministério Público do Trabalho com aplicação de multa ou proposta de acordo com “Termo de Ajustamento de Conduta” no qual a empresa se compromete a não mais veicular anúncios com qualquer circunstância discriminatória; e
  • caso algum candidato à vaga sentir-se prejudicado ou discriminado, o mesmo poderá denunciar a empresa junto ao sindicato da categoria ou até ajuizar uma ação indenizatória.
Dois outros exemplos muito comuns de meios que podem ser considerados discriminatórios são:
  •  obtenção de “Atestado de Antecedentes Criminais”; e 
  •  consulta sobre a existência de débitos / dívidas junto ao SERASA / SPC.
A existência de um fato no passado do candidato (com a pena integralmente cumprida perante a lei) ou a inserção como devedor no cadastro de proteção ao crédito, em princípio, não devem ser motivos para a desclassificação de qualquer candidato a um novo emprego, pois se levado às instâncias judiciais, provavelmente serão interpretados como atos discriminatórios, tendo em vista que, no primeiro caso, é através de um emprego que a pessoa poderá iniciar o resgate de sua dignidade humana e auto-estima e no segundo caso, o candidato estaria sendo duplamente penalizado, pois seria através do novo emprego que teria condições de adimplir sua dívida.

É óbvio que por parte das empresas (para a obtenção do atestado de antecedentes criminais ou a consulta aos órgãos de proteção ao crédito) teriam como argumento a previsão do artigo 7º, XXXIV da Constituição Federal que assegura a todos, o direito de receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular.  Neste aspecto, compartilho com aqueles que entendem que é difícil provar quais são os reais interesses  e, como decorrência, estaria caracterizada a discriminação.


Princípio da igualdade

Toda essa questão da discriminação encontra amparo no princípio da igualdade, previsto no artigo 5º da Constituição Federal que estabelece:

"Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

Esse princípio, como todos os outros, pode, no entanto, ser relativizado, de acordo com cada situação concreta, pois a doutrina e a jurisprudência asseguram às pessoas de situações iguais, os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa, conforme ensina o Dr. Celso Ribeiro Bastos (Curso de Direito Constitucional, SP, Saraiva, 1978, p.225), “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam” e o grande mestre Rui Barbosa em seu famoso discurso “Oração aos moços” (1920): “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."


Considerações Finais

Para finalizar, embora algumas delas possam ser consideradas como “cuidado exagerado”, recomendo observar as boas práticas no recrutamento e seleção de funcionários, as quais contemplam, entre outros:

1. O candidato não pode ser exposto a nenhum tipo de discriminação (raça, sexo, idade, nacionalidade, filosóficos, físicos, preferência sexual, política ou religiosa).

2. Qualquer atividade proposta ao candidato deve respeitar suas características físicas, integridade, segurança e privacidade.

3. O candidato não pode ser exposto a perguntas ou situações que possam gerar constrangimentos, desrespeito ou serem interpretadas como assédio.

4. As entrevistas devem ser realizadas em locais reservados e é recomendável que o candidato seja informado antecipadamente sobre todas as etapas do processo e testes.

5.  Quando houver aplicação de testes, assegurar que os mesmos estejam atualizados, o avaliador seja profissionalmente qualificado e, garantido ao candidato, espaço adequado e os instrumentos necessários à realização dos mesmos.

6. Após cada fase, informar as subsequentes e uma previsão de data para o retorno, mantendo o candidato informado após cada etapa do processo seletivo.

7.  Avisar o candidato se o processo de seleção se prolongar mais do que o previsto.

8. Assegurar que os mesmos procedimentos éticos estejam sejam adotados por todos os participantes (de qualquer nível ou área) do processo.

9. Assegurar que qualquer outro participante do processo esteja qualificado e tenha treinamento adequado para exercer as funções de seleção em todas as suas fases.

10. Todos os dados e informações obtidas nos processos seletivos devem ser tratados confidencialmente e no estrito âmbito dos profissionais que estão participando do processo.

Lembre-se que, em geral, a maioria dos candidatos a um emprego traz dentro de si a esperança e o sentimento de uma nova e melhor perspectiva para sua vida e de sua família. Portanto, só isso basta para que o processo seja conduzido com muita dignidade e respeito profissional.

Bom trabalho e até breve!


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