segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Espiritualidade na gestão das empresas: transgredindo as regras do racional!

Nota: Volto a republicar o artigo onde abordo um tema que gera muita controvérsia e que é pouco comentado dentro das organizações: a espiritualidade na gestão das empresas!
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Nos últimos dez anos já li alguns livros e dezenas de artigos sobre o assunto, porém continuo sentindo-me, no mínimo, desconfortável para abordar um tema tão amplo e controverso, mas ao mesmo tempo tão rico e desafiador. Talvez, dificilmente venha a ter os atributos, a lucidez e a transcendência dos sábios e filósofos para abordar o tema com imparcialidade, transparência e objetividade, mas ainda assim sou levado pelo impulso involuntário do desafio e, portanto, me atreverei a resumir neste espaço, minha visão de que  espiritualidade e gestão podem caminhar juntas e mais do que isso, podem construir uma essência muito superior – magnânima até - nas relações humanas e no mundo dos negócios e das organizações.

Para muitos, espiritualidade não tem nada a ver com empresas ou negócios por tratar-se de assunto que deve ficar no âmbito pessoal e religioso de cada um. Será?

Antes de entrar diretamente no tema, preciso manifestar minha concordância com aqueles que entendem que o atual modelo de gestão continua fortemente influenciado pelas grandes escolas de administração norte-americanas, as quais moldaram - no transcorrer do século XX - sistemas, metodologias, estratégias, práticas, doutrinas e técnicas de gerenciamento desenvolvidas por ex-combatentes que participaram das principais guerras (segunda mundial, Coréia e Vietnã entre outras) e que ingressaram nas universidades trazendo dentro de si, sentimentos, dores, frustrações e emoções variadas, as quais contribuíram para formar executivos que viram no mundo dos negócios e das organizações, condições semelhantes a de uma guerra, onde a ferocidade, a gana da conquista, destruição dos concorrentes e o desrespeito aos valores humanos poderiam ser colocados acima de qualquer coisa a fim de alcançar os objetivos traçados. Assim, a sobrevivência nesse mundo desvairado e contaminado pela objetividade desmedida e do individualismo em suas últimas instâncias, foi ainda mais alimentado pela corrida irracional do poder e do ganho fácil, mascarando e desvirtuando comportamentos de muitos profissionais e alimentando o sentimento de que o mundo empresarial é uma verdadeira selva predatória.

Todavia, diferentemente de uma guerra real, no mundo empresarial, a “guerra” é interminável. Dia após dia, mês após mês e ano após ano, são criadas novas metas, novos desafios, produtos, clientes e concorrentes. Como a vitória nunca é definitiva, todos dentro das organizações são cobrados e vivem a angústia gerada pelas incertezas e medo do amanhã e do futuro.

O cotidiano impõe às pessoas uma constante e desafiadora seqüência de circunstâncias e situações que envolvem razão e emoção que contribuem para a ocorrência de fatos negativos, na construção da desconfiança e do medo e na deterioração das relações humanas em geral. É óbvio que dentro desse ambiente deteriorado e corroído ainda mais  pela competição, é difícil imaginar algo capaz de transformar ou mudar tudo isso. Se assim é, por que não tentarmos algo novo? Um caminho não explorado em sua dimensão plena? A espiritualidade pode ser esse caminho.

De imediato, gostaria de ressaltar que essa proposta, para fazer algum sentido ao prezado leitor, impõe-se como premissa, a crença na existência de um Deus como criador do homem e do universo. Em síntese, é estar consciente da presença do Sagrado em nossa vida.

Outrossim, em linha com outros autores que já escreveram sobre o assunto, também entendo que espiritualidade não está relacionada com nenhuma determinada religião. É através da religião que aprendemos (de acordo com cada doutrina) formas de como buscar, chegar ou se relacionar com Deus e, como tal, trata-se de uma escolha individual.

De outro lado, a espiritualidade, em minha modesta opinião, se constitui em um conjunto de atributos e virtudes especiais (inerentes ou desenvolvidas pelo ser humano) que criam formas não estabelecidas de se relacionar com o Divino, as quais acabam moldando, por conseqüência, novas condutas, posturas e atitudes diante da vida. Em outras palavras, a espiritualidade independe de regras ou práticas religiosas, porém os atributos e virtudes, quanto mais desenvolvidos e exteriorizados ou praticados de formas consistentes (através da palavra, exemplo, comportamento e atitudes), são capazes de formar pessoas magnânimas, bem como transformar contextos e ambientes. Assim, se isso é uma verdade, porque não torná-la crível também no âmbito organizacional?

É justamente aqui que começa o grande desafio. Como?

Entendo que espiritualidade na gestão não se trata de um programa formal que precisa ser desenhado e divulgado aos funcionários para ser implantado, mas isto sim, um processo que depende do desejo sincero dos acionistas ou sócios de edificar ou transformar um empreendimento num modelo diferenciado de negócio: uma espécie de filosofia existencial da empresa, baseada em virtudes que privilegiam o SER em sua plenitude.

Antes de iniciar o processo, é prudente avaliar se a cultura e a razão da existência da empresa expressa na sua missão contrariam princípios, crenças ou valores antagônicos às virtudes e atributos caracterizados na espiritualidade, tais como: respeito ao ser humano e ao meio-ambiente, ética, transparência, confiança e cooperação nas relações, etc. Se esse for o caso, é preciso rever a cultura e a missão da organização.   

Assim, o primeiro estágio nasce a partir do momento em que os gestores compreendem integralmente que o ambiente organizacional é extremamente rico, pois oferece em grande escala, oportunidades, entre outros, de: convivência, relacionamento, comunicação, negociação, ensino, aprendizado, desenvolvimento pessoal e profissional, doação, ganhar e perder.

O segundo passo vem com a disseminação - da “filosofia” baseada na espiritualidade - através do exemplo dado pelas lideranças em todas as atitudes, comportamentos e decisões. 

Na sequência, inicia-se o processo - junto aos funcionários - da exteriorização de ações que ressaltem o respeito à vida e ao ser humano em sua totalidade e em todas suas dimensões (física, intelectual, emocional e espiritual). Tais ações devem estar evidenciadas nas estratégias de planejamento, nas políticas e práticas internas e externas, nas decisões e nas relações com clientes, fornecedores e demais partes relacionadas.

A partir daí, o processo deve ser incansável, contínuo e evolutivo, a fim de superar as resistências e barreiras naturais pois, de uma forma geral, as pessoas trazem dentro de si conceitos pré-concebidos em relação às condutas que devem ter dentro das empresas. São conceitos que levam em conta paradigmas mecanicistas, econômicos, financeiros, que valorizam a razão e a lógica, os quais podem contribuir para a fragilização de todo o processo.

Um dos principais objetivos da sedimentação do processo de espiritualidade na gestão é a humanização das organizações, pois é impossível evoluir espiritualmente sem foco nela. Concordo com aqueles que acham que a humanização apresenta traços ou sementes da espiritualidade. Na medida em que cada pessoa avançar e aprofundar sua evolução espiritual, conseguirá compreender e aceitar melhor as diferenças dentro das empresas, estará mais aberto ao amor pelo seu colega de trabalho, pelo questionamento das idéias e não das pessoas, pelo interesse transformador e contributivo, pelo entendimento mútuo e respeito às leis e normas em geral, sem no entanto, considerar-se vilipendiado em seus direitos ou coagido em seus deveres.

Paula Francisquini em seu artigo “Espiritualidade nas empresas”, destaca que a globalização abalou as fundações de tantas certezas milenares, “criando um admirável novo mundo que está reorganizando os espaços espirituais e esse mundo moderno, com suas incertezas e problemas, faz com que empresários e gerentes sintam a angústia do mundo que está nascendo e muitos estão buscando na espiritualidade, um caminho de equilíbrio, pois estão descobrindo que para estas transformações serem positivas, elas devem vir de dentro de cada um, naquele lugar em que nasce a fé na vida e na humanidade”.

Estamos no século XXI e as novas tecnologias estão transformando nossas crianças e jovens em autênticos robôs dependentes delas, ao mesmo tempo em que observamos uma desenfreada busca pelo TER e pelo PODER. Ao mesmo tempo em que vemos o materialismo atingindo proporções inimagináveis dentro de nossa sociedade, constatamos o distanciamento dos jovens em relação a Deus, fato que impõe a cada um de nós um desafio maior se queremos criar condições para um futuro mais promissor e menos devastador da essência humana nas organizações.  

Esse é um desafio que vale a pena enfrentar!

Autor: Carlos Alberto Zaffani  -  Consultor em Gestão de empresas