Foi-se o tempo em que – em
relação ao local - o trabalho do empregado era exercido, basicamente, de três
formas: interno, externo ou um misto das duas anteriores. A primeira forma era
exercida pelos empregados que desenvolviam suas atribuições integralmente
dentro das instalações das empresas (aqui incluído os terceirizados), a
segunda inteiramente fora delas e a
terceira quando parte era desenvolvida internamente e parte fora.
Com o avanço tecnológico, essa
realidade começou a mudar e quanto mais acelerado foi esse avanço, novas
situações possíveis nasceram para que os empregados pudessem desenvolver suas
atribuições e responsabilidades profissionais.
Surgiu o trabalho em domicílio e
as novas tecnologias de comunicação, especialmente a telefonia celular,
internet, microcomputador e os notebooks, consolidaram novas formas no
relacionamento entre muitas empresas e seus empregados, bem como entre estes e
as partes relacionadas (ex: clientes externos e internos, fornecedores, bancos,
etc).
Para que possamos abordar alguns
aspectos interessantes dessa realidade, hoje presente em quase todas empresas,
precisamos ressaltar e contextualizar que nos referimos ao teletrabalho e o trabalho
em domicílio.
Apesar de existirem inúmeros
conceitos e definições desenvolvidas por especialistas para o teletrabalho, tomamos uma
apresentada no site da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (http://www.sobratt.org.br/faq.html#p06)
a saber: “é todo e qualquer
trabalho realizado a distância (tele), ou seja, fora do local tradicional de
trabalho (escritório da empresa), com a utilização da tecnologia da informação
e da comunicação, ou mais especificamente, com computadores, telefonia fixa e
celular e toda tecnologia que permita trabalhar em qualquer lugar e receber e
transmitir informações, arquivos de texto, imagem ou som relacionados à
atividade laboral.”
Já o trabalho em domicílio, conforme apresentado no boletim 06 /
2012 (Manual de Procedimentos – Trabalho e Previdência), página 3, conceitua-se
como sendo “aquele que é prestado fora do
âmbito da empresa, na residência do empregado, ou em oficina de família, por
conta do empregador que o remunere”, lembrando “que o trabalhador em domicílio não pode ser confundido com o empregado
doméstico, nem com o trabalhador autônomo”.
Podemos depreender pelos
conceitos retros que nem todo teletrabalho é trabalho em domicílio, como também
nem todo trabalho em domicílio é teletrabalho, mas ambos são espécies de trabalho à distância, muito embora tais
formas possam se conjugar.
Aspectos positivos, negativos e
controvérsias
É evidente que os novos meios
tecnológicos e o trabalho em domicílio podem facilitar o dia-a-dia das empresas
e de milhares de profissionais. Entre outras circunstâncias favoráveis podemos
destacar:
·
maior flexibilidade de horários;
·
eliminação de gastos com transporte e riscos no
percurso até a empresa, o que resulta
também na diminuição da poluição e dos congestionamentos viários;
·
agilização da comunicação e da circulação de
atividades e informação;
·
perspectiva de melhoria na vida privada do
empregado através do maior convívio familiar;
·
maior inclusão de pessoas com dificuldades de locomoção;
·
possível redução do desemprego através da não
limitação do espaço da empresa; e
·
incremento da produção e diminuição de seus
custos.
Evidentemente, esse novo
cenário também apresenta aspectos desfavoráveis e/ou desvantagens tais como:
·
isolamento do empregado do ambiente empresarial;
·
maior dificuldade com padronização da produção;
·
possíveis problemas com aspectos relacionados à
segurança do trabalho (ex: ergonomia, esforços repetitivos, má postura, etc);
·
maior risco de desídia;
·
riscos de concorrência com o empregador e/ou
quebra de sigilo profissional;
·
dificuldade de fiscalização; e
·
informalidade e exploração do trabalhador.
Outrossim, em muitas
situações, as vantagens anteriormente destacadas também podem significar
problemas futuros (reclamações trabalhistas) para as empresas se não forem
tomados alguns cuidados específicos, especialmente a partir da edição da Lei nº
12551, que entrou em vigor em
16/12/2011, com a nova redação dada ao artigo 6º da CLT:
"Art. 6º - Não se distingue entre o trabalho realizado
no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o
realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da
relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de
comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação
jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do
trabalho alheio."
Com tal alteração, entre
outros, levanta-se o seguinte questionamento: como a Justiça Trabalhista
passará a interpretar situações em que - por exemplo - o funcionário permaneça
com o celular fornecido pela empresa fora do expediente e/ou tenha acesso a
e-mail, por qualquer tipo de tecnologia as 24 horas do dia?
Possivelmente, esse exemplo,
hoje em dia uma situação comum em milhares de empresas, não seria suficiente – sem aprofundamento dos fatos - para
caracterizar a hora extra, já que a simples
troca de um telefonema ou e-mail entre empregado e empresa fora do
expediente sem a obrigatoriedade da resposta imediata não seria suficiente para
confirmar que o empregado estava “à disposição do empregador, aguardando ou
executando ordens”, conforme prevê o artigo 4º da CLT.
De outro lado, se houvesse a
caracterização de que o funcionário estaria executando ordens e estas
estivessem além da jornada de trabalho, aí sim estaríamos diante da sujeição às
horas extras. Assim é também no caso em que o empregado fique aguardando
ordens, situação em que configurar-se-ia o “sobreaviso”, conforme previsto no
artigo 244, parágrafo 2º da CLT, o qual estabelece:
“Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo, que permanecer
em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para
o serviço.”
Destaque-se, por outro lado,
que o TST já se pronunciou em relação ao telefone celular na súmula nº 428,
concluindo que o uso do aparelho por parte do “empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez
que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento,
convocação para o serviço.”
Podemos inferir que quando o
empregado porta o celular, notebook, tablet, etc, mas tem a liberdade de
locomoção para assuntos pessoais ou lazer, não haveria o sobreaviso.
Parece-nos, pois, que ao
conceder um aparelho de comunicação para o funcionário, o risco não está na disponibilização da ferramenta para o trabalho em
si, mas na forma como ela será
utilizada.
Trabalho na empresa X trabalho em domicílio
Como princípio, o trabalho em
domicílio é equiparado ao trabalho prestado na empresa para todos os efeitos de
aplicação da legislação trabalhista. Bastará apenas a caracterização dos
pressupostos da relação de emprego (artº 3º da CLT), ou seja: pessoalidade,
continuidade, onerosidade e subordinação jurídica.
Outrossim, com a nova redação
do parágrafo único do artº 6º da CLT, também não podemos nos esquecer que “os
meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se
equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de
comando, controle e supervisão do trabalho alheio." (grifo
nosso).
Jornada de trabalho
Em relação à questão da
jornada de trabalho do trabalhador em domicílio, deve ser estabelecido da mesma
forma que é a do empregado da sede da empresa. Ocorre, porém, que muitas vezes,
o trabalhador à distância, para alcançar as metas propostas terá que trabalhar
mais horas semanais e é aí que poderão surgir problemas.
Tentando antecipar-se aos
prováveis futuros problemas jurídicos no que se refere ao pagamento de horas
extras, existe um projeto de lei no Congresso Nacional (nº 4.505/2008) visando
a regulamentação abrangente do trabalho à distância e um de seus artigos (6º,
parágrafo único), estabelece que “em
razão do caráter de controle de jornada aberta e, via de regra, de forma
virtual, aos empregados teletrabalhadores não será contemplado o direito às
horas extras, devendo a remuneração ajustar-se às horas normais de trabalho.”
Particularmente, acho que,
dificilmente esse dispositivo prevalecerá até a aprovação do projeto.
Em relação aos empregados que
ocupam cargos de confiança (diretores e gerentes), pela natureza das
atribuições e pelo regime de dedicação, compactuo com aqueles que entendem que
os mesmos não fazem jus ao recebimento
de qualquer retribuição pelo excesso de jornada de trabalho diária / semanal.
Considerações Finais
Todos esses comentários e
considerações objetivam apenas alertar os leitores sobre algumas das principais
questões sobre o tema e incentivar o aprofundamento das análises e discussões.
Diante de tudo que pudemos
observar, todos os fatores apresentados devem ser considerados pelas empresas
na celebração dos contratos de teletrabalho e/ou trabalho em domicílio,
devendo, as partes, sujeitarem-se à observância dos limites estabelecidos nas
leis trabalhistas e aos princípios que as norteiam, atentando para os padrões
éticos de conduta e na boa fé na elaboração, realização e rescisão dos citados
contratos.
Bom trabalho e até breve!
Autor: Carlos A. Zaffani - Consultor em Gestão de Empresas